Velhos Fantasmas

Em um empoeirado sótão, os fantasmas discutiam uma forma de assombrar seu casarão para afugentar os novos moradores. “Há uma semana esses vivos se mudaram, e nem perceberam que moramos aqui. Vocês nada aprenderam em todos esses séculos?” – perguntou o mais velho do grupo. “Acho que estão ocupados com a mudança, senhor, e não tiveram tempo de prestar atenção” – disse outro espírito, otimista. Um terceiro fantasma manifestou-se: “Bem, acho que é hora de tocar um pouco de piano à noite. Quando eles virem as teclas se movendo sozinhas, vão fugir correndo”. "O que? Você acha que já não tentei isso?” – perguntou um pequeno fantasma que saiu do baú. “Na noite passada toquei todos os Noturnos de Chopin, e você pensa que eles ouviram? O marido saiu para trabalhar à noite. A mulher tomou sedativo e não ouviu uma só nota do meu concerto. E o filho deles passou a madrugada acordado no quarto, na frente do computador, com fones de ouvido!”. Pensativo, o fantasmagórico chefão quis saber o que mais já fora tentado. Uma entidade levantou timidamente o dedo e passou a relatar. "Como de hábito, ocupei-me da biblioteca. Abri e fechei as gavetas, folheei os livros, rabisquei o quadro negro, tudo como dita o costume”. “E que resultados obteve? Deixou alguém em pânico?”. "Infelizmente, ninguém adentrou lá ainda. Creio que não gostam de ler”. “Mas era só o que me faltava!” – gritou o velho. “E você aí?” – apontou para outro desencarnado que participava da assembleia. “O que fez para ajudar?”. O jovem espectro, desligado do mundo dos vivos há menos tempo que seus companheiros, engoliu em seco, e disse: “Me perdoe a franqueza, mas acho que estamos encrencados. Mesmo tentando os meios mais avançados de assombração, não tenho conseguido nada. Já cheguei a aparecer na tela do computador do rapaz e lhe pregar um susto com a careta mais sombria que consegui, mas o máximo que aconteceu depois foi ele rir, dizendo que já tinha caído nesse truque antes”. Um desânimo começava a contagiar a todos, até que um deles sugeriu: “E se juntássemos as nossas economias de ectoplasma e materializássemos um de nós? Nunca falha!”. O que foi respondido por outra visagem: “Aquilo já está com a validade vencida! Além do mais, se eles filmarem uma aparição dessas vão colocar as imagens na tal internet, e daí sim que nosso sossego termina de vez”. “Então o jeito é ficar com eles. Este sótão até que é grande”. “Pode esquecer! Já ouvi que vão reformar e transformar isto aqui em um estúdio de gravação de músicas”. “Oh, não daquelas músicas que o menino ouve, por favor!” – lamentaram-se. Porém, apesar da aparente derrota a que os pobres mortos pareciam estar fadados, um brilhante espírito teve uma ideia bastante simples e eficaz: interferir na atmosfera ao redor da casa, impedindo que se chegassem quaisquer sinais que fizessem funcionar a internet, os celulares e os canais da televisão via satélite. Em duas semanas os moradores deixaram o local.

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